Esta foto tem dois objectivos: Ilustrar o post de hoje e lembrei-me do Blog "Outra Face" do TiRicardo
OMENS SEM H
por Nuno Pacheco
Jornalista
PÚBLICO, 06.06.2011
Espantam-se? Não se espantem. Lá chegaremos. No Brasil, pelo menos, já se
escreve "umidade". Para facilitar? Não parece. A Bahia, felizmente, mantém
orgulhosa o seu H (sem o qual seria uma baía qualquer), Itamar Assumpção
ainda não perdeu o P e até Adriana Calcanhotto duplicou o T do nome porque
fica bonito e porque sim.
Isto de tirar e pôr letras não é bem como fazer lego, embora pareça. Há uma
poética na grafia que pode estragar-se com demasiadas lavagens a seco. Por
exemplo: no Brasil há dois diários que ostentam no título esta antiguidade:
*Jornal do Commercio*. Com duplo M, como o genial Drummond. Datam ambos dos
anos 1820 e não actualizaram o nome até hoje. Comércio vem do latim *
commercium* e na primeira vaga simplificadora perdeu, como se sabe, um M.
Nivelando por baixo, temendo talvez que o povo ignaro não conseguisse nunca
escrever como a minoria culta, a língua portuguesa foi perdendo parte das
suas raízes latinas. Outras línguas, obviamente atrasadas, viraram a cara à
modernização. É por isso que, hoje em dia, idiomas tão medievais quanto o
inglês ou o francês consagram *pharmacy* e *pharmacie* (do grego *pharmakeia
* e do latim *pharmacïa*) em lugar de farmácia; ou *commerce* em vez de
comércio. O português tem andado, assim, satisfeito, a "limpar" acentos e
consoantes espúrias. Até à lavagem de 1990, a mais recente, que permite até
ao mais analfabeto dos analfabetos escrever sem nenhum medo de errar. Até
porque, felicidade suprema, pode errar que ninguém nota. "É positivo para as
crianças", diz o iluminado Bechara, uma das inteligências que empunha,
feliz, o facho do Acordo Ortográfico.
É verdade, as crianças, como ninguém se lembrou delas? O que passarão as
pobres crianças inglesas, francesas, holandesas, alemãs, italianas,
espanholas, em países onde há tantas consoantes duplas, tremas e hífens? A
escrever *summer*, *bibliographie*, *tappezzería*, *damnificar*, *
mitteleuropäischen*? Já viram o que é ter de escrever *Abschnitt für
sonnenschirme* nas praias em vez de "zona de chapéus de sol"? Por isso é que
nesses países com línguas tão complicadas (já para não falar na China, no
Japão ou nas Arábias, valha-nos Deus) as crianças sofrem tanto para escrever
nas línguas maternas. Portugal, lavador-mor de grafias antigas, dá agora
primazia à fonética, pois, disse-o um dia outra das inteligências
pró-Acordo, "a oralidade precede a escrita". Se é assim, tirem o H a homem
ou a humanidade que não faz falta nenhuma. E escrevam Oliúde quando falarem
de cinema. A etimologia foi uma invenção de loucos, tornemo-nos
compulsivamente fonéticos.
Mas há mais: sabem que acabou o café-da-manhã? Agora é café da manhã. Pois
é, as palavras compostas por justaposição (com hífens) são outro estorvo.
Por isso os "acordistas" advogam cor de rosa (sem hífens) em vez de
cor-de-rosa. Mas não pensaram, ó míseros, que há rosas de várias cores?
Vermelhas? Amarelas? Brancas? Até cu-de-judas deixou, para eles, de ser
lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa alta, assim mesmo. Só
omens sem H podem ter inventado isto, é garantido.
1 comentário:
Há uma imagem na coluna esquerda do meu blog, que tem como título "Eu cago no acordo ortográfico".
Está tudo dito...
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