Decorria o inicio dos anos noventa, aqui o Francisco foi chamado para ir cumprir o serviço militar. O meu pai queria que eu fosse para a marinha, o meu tio queria que eu fosse para os comandos com o meu primo, a minha mãe queria que eu estivesse o menos tempo possível na tropa. Como sabia que era impossível colocar uma "cunha" para que eu fosse dado como inapto. Fiquei a saber(anos mais tarde) que a minha mãe foi falar com uma amiga, que era prima de um senhor lá da terra, que tinha casado o filho com uma senhora de bem e que era filha de um coronel do exército. Lá fui eu parar ao exército por um período de oito meses(serviço obrigatório).
Imaginem um rapaz de 20 anos; estudante; que estava a habituado a ter o seu quarto; não dizia asneiras; que tomava banho de água quente, quer fosse Verão ou Inverno; que ainda estava completamente "dentro do armário". os homens mexiam comigo e as mulheres cada vez menos...
Chego ao Porto(estação da Campanhã, no comboio Alfa. Levo apenas comigo uma mochila aos ombros, onde tenho alguma roupa interior, toalhas de banho, shampoo, vários pacotes de bolachas, adoro bolachas...
Quando chego ao quartel em questão, sou recebido por um segundo sargento que me apresenta ao grupo de recrutas como: - "Olhem para este betinho que deve ter acabado de nascer em Lisboa"...
Tira-me a mochila, abre-a e distribui as minhas bolachas por toda a gente. No final diz: - Aqui divide-se tudo com os Camaradas. Colegas, são as putas...
Depois das apresentações, de fila indiana, recebo a farda, as camisolas interiores, as cuecas, os cobertores, a boina, as botas, as meias...
No final, somos levados para a nossa caserna, onde estão camaratas(beliches), naquele espaço deve estar cerca de 20 beliches, ou seja, dormem ali quarenta homens. Tanto homem junto e eu "dentro do armário"....
Quando acabei a recruta, sou um "novo" homem. Em vez de dizer que quero ir fazer xixi, digo em boa voz que quero ir mijar. O mesmo se passa com o ir fazer cocó, é CAGAR mesmo. Na primeira noite, descobri que água quente é um termo que só existe no dicionário e em casa aos fins de semana. Depressa as minhas frases gramaticais passaram a incluir caralho, foda-se, cabrão, bosta, paneleiro, panasca, menina. Curiosidade: Filho da puta está excluído uma vez que estou no Porto. Fora do Porto, uso mais vezes filho da puta que o bom dia...
Durante a semana de tiro. É a semana que vamos para o campo, vamos dar tiros a sério com armas que foram utilizadas na Guerra Colonial. Santo Deus, como é que alguém pode utilizar uma arma que quando carregamos no gatilho, a bala não sai...
Muitas vezes temos que apontar para o lado esquerdo ou direito, para que a bala acerte em cheio no desenho ao fundo com o rosto de um homem desenhado.
Agora, aqui o Francisco já não diz: - Bom dia, pode-me dar um café se faz favor...
Isto é demasiado maricas, paneleiro mesmo. Agora, eu digo:
Caralho! Foda-se!!! Onde está a merda do café, que eu pedi?(estou a pedir o café agora). Despacha-te cagalhão. Foda-se, caralho para esta merda toda...
Isto tem piada, dentro do quartel. Fora do quartel, num lanche com amigas da minha mãe, algumas tias, primas nos pasteis de Belém... A piada é outra...
Mãe: - Francisco! A mãe pede o café e os pasteis de Belém. Fica caladito e sossegadito...
Depois dos três meses de recruta, o Francisco foi destacado para Santa Margarida. Algum de vós, já esteve em Santa Margarida?
No meu tempo era assim a disposição daquele fantástico mundo:
Tinhas um grande avenida, que começava na entrada com o quartel da Policia do Exército(PE), uns gajos porreiros que tinham a mania que eram os donos do bairro. Ao fundo via-se a Igreja(tantas vezes falei com o capelão, um capitão super simpático e que gostava de falar comigo os temas teológicos). Finalmente, o senhor tinha encontrado um menino de Lisboa que sabia o que era a Biblia e que tinha dois dedos de testa...
Do lado esquerdo de quem subia a avenida encontrava o super mercado e do lado direito, o cinema que passava filmes antigos a 5 escudos, ou coisa que o valha(nem me recordo do preço, que tão barato era...
Sempre fui um gajo que cria "empatia" com muita facilidade, o que me permitiu ser "levado" um pouco nas graças de alguns superiores e de alguns camaradas. Já dizia a minha avó: - Mais vale cair em Graça, do que ser engraçado"
Depressa fiquei a saber que durante a Guerra Colonial, havia muitos portugueses a fazerem dos negros, meros escravos como aqueles que podemos ver nas novelas brasileiras. Daí muitos retornados, dizerem que adoravam África...
Pudera, com a casa cheia de diamantes(muitos estão escondidos nas paredes das casas, ao fundo da fazenda) e que abusavam dos negros de uma forma muito cruel. Muitos militares é que denunciaram tais crimes. Como estamos em Portugal, a culpa mais uma vez morre solteira...
Sabiam que naquela altura, após a guerra do Golfo. Se a Espanha ou outro país nos invadisse. Apenas, Santa Margarida demoraria mais tempo a resistir...
Santa Margarida demoraria a "cair" em 30 minutos. Tinham esta noção?????
O nosso Governo não acaba com as forças armadas, porque a lista de desempregados nos Centro de Emprego subiria de uma forma espantosa. Pior, era a questão depois: - O que fazer com tanta gente inútil para contribuir para o país????
Assim, eles lá ganham os seus vencimentos, pensam que são úteis e de certa forma vão desenvolvendo a economia...
Pior, são os negócios de Submarinos e afins, para encherem os bolsos de alguns ministros e empresas...
12 comentários:
Serviço militar: :x Que horror, ainda bem que já não é obrigatório. Lá temos de ir (como eu fui) à porcaria do Dia da Defesa Nacional, mas, enfim, fica-se por aí.
Não teria coragem de "ir à tropa", mesmo sabendo que era obrigatório. Sentir-me-ia tão mal. É que sou completamente diferente desses homens que, segundo o teu texto, estiveram na tropa contigo. Sofreria horrores! :x
Olha, os avós paternos viveram bastantes anos em Moçambique (onde o pai nasceu) e, de facto, existiam casos de plena escravatura no século XX, apesar da mesma ter sido abolida em Portugal Continental pelo Marquês de Pombal, em 1761, e no Império Ultramarino no século XIX. Os avós tinham empregados, naquela época chamados de "criados", claro, mas sempre os trataram com toda a dignidade e respeito!
Gostei imenso deste teu post. Mais profundo e com toda uma história subjacente. Deverias apostar mais neste tipo de escrita. É a minha opinião. :p
Abraço. ^^
Mark,
Obrigado pela tua opinião :)
Abraço
Francisco,
Mt bom este post, identifiquei-me com ele...e não foi da tropa, que não pus la os pés...está com piada...lol
Mark, agora a tropa, é remunerada e tem gajus...mais por metro quadrado que em qq sitio, vinha la de gordo de tanto comer...
Grande Abc aos dois
Pois a tropa nunca fez mal a ninguém, em tempo de paz, é claro...
Esta tropa de agora até me faz rir, comparada com aquela que eu tive.
E, Mark, fica sabendo que a tropa te faria a ti, especialmente, muitíssimo bem.
Aprenderias muito sobre solidariedade e relações humanas, podes estar certo, e isso não se aprende na Universidade.
"É a tropa que nos faz homem!"
Tantas vezes ouvi esta expressão e afinal... nem vos conto.
Devido aos meus estudos fui adiando a ida à tropa, mas lá fui fazer a inspecção já em 2000. É claro que quem tivesse mais do 11º ano escapava, à excepção de médicos e enfermeiros.
Nunca me interessei muito pela tropa, mas acho que me teria feito bem. A tropa foi sem dúvida a forma da rapaziada sair de casa, de baixo da "asa" da mãe e, desde que não houvesse guerra, um orgulho para a família.
Não é o hábito que faz o monge, mas o monge que faz o hábito. Lol. Adoro expressões.
André,
:)
Abraço
Pinguim,
Imagino que quem andou na guerra, deve olhar para este serviço militar como uma brincadeira de indios e cowboys :)
Abraço
Sou completamente contra a exército. Por mim acabava-se com tudo.
Ribatejano,
Confesso que por diversas vezes, ouvi dizer que a tropa me tinha feito bem...
Se queres que eu te diga, na verdade nunca vi tanta gente burra por m2...
Com uma diferença, ali a burrice sobe consoante os anos de casa :S
Abraço
Speedy,
Não poderia estar mais de acordo contigo :)
Abraço
Felizmente a tropa passou-me ao lado, e das experiências relatadas pelos meus colegas que foram não me parece que fosse coisa que gostasse muito.
Um Coelho,
Como tudo na vida, tem coisa boas e giras, como menos boas e para esquecer :)
Abraço
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