Mais um texto do Fernando
"Vitória
Existe de facto um sentimento de solidariedade mas também ações solidárias onde este sentimento apenas se manifesta na moral do indivíduo, ou seja não é este que o deseja pois está submisso perante tal moral. Mas o que realmente interessa é que estamos verdadeiramente perante uma ação: não deixa de ser ação.
Reparemos num local de trabalho onde diversas pessoas competem entre si exaltando cada um a sua personalidade. Aparece alguém que manda naquela gente e decide dar uns bem fortes sermões a um indivíduo com mais de 25 anos ainda relativamente jovem que caracteriza-se por não se emancipar. Ele recebeu os sermões já e cada vez mais, a cada momento, enfraquecido. O pior é que o jovem sabe da sua debilidade, não consegue enfurecer-se, é imediatamente apaziguado devido a fobias contínuas, a um exagerado instinto sobre o perigo. Ele não reage e a sua inteligência também não o ajuda, ou não vale nada ou bloqueia-se.
A mãe dele muito envergonhada pelo filho que educou aproveita-se da tensão acumulada que sofreu no emprego para também libertá-la para o seu único filho, aquele debilitado como nós já o vimos. Na sua cabeça um pensamento com algo de frustrante também lhe surge: o facto do jovem ainda viver com ela e não independentemente irrita-lhe porque a presença dele debilita-a através dum certo instinto corporal, ou seja estamos perante a involuntariedade, que vai absorvendo, talvez por adaptação também involuntária, a fraqueza, a submissão do jovem. Além destas absorções enfraquecerem a mãe, o seu espírito torna-se mais inofensivo a sentimentos como a vergonha, a culpabilidade e até a irritação.
A família não lhe quer, ninguém lhe quer, que poderá ele fazer? Certa vez ao atravessar a estrada foi surpreendido por um carro que apitou-lhe ferozmente numa raiva terrível. Ele fugiu logo para o passeio e olhou para o monstruoso veículo que ia ficando mais pequeno à medida que se aproximava do horizonte mas o medo que provocava não se proporcionava com a sua visibilidade, era sempre deveras temido.
A vida deste pobre jovem era assim. Era uma solidão misantropa sendo que a necessidade social acentuava-se mais devido à particularidade dos problemas dele. Para acalmar-se, desabafar, ora enfrentar as necessidades humanas que ao ausentarem-se traziam problemas, desconfortos, confusões, enfim relações entre excertos de pensamentos e vontades que originam facilmente aquilo que se diz como ilícito, recorria à prostituição, isto é, pagava forte para poder socializar, comunicar, falar, com diversos terapeutas (generalizadamente conhecidos como «psicólogos») altamente profissionais, com métodos da ciência comprovada mais avançada e elaborada, com eficácia absoluta ultrapassava e podia voltar novamente à sua vida mais calma: a um padecimento ataráxico. Depois do restabelecimento esperava até à sua próxima consulta de rotina para verificar que nada do método tinha falhado e realmente uma pessoa de tal maneira débil, e propícia à submissão, jamais se curvaria mentalmente na sua saúde perante tal autoridade científica.
Vitória".
Poderia repetir mais cenas sensíveis no emprego, em casa da sua mãe, ele o que queria era ser minimamente respeitado ou, se pudesse, tolerado. Para necessidades sociais já existia uma diversa gama de terapeutas no mercado, sendo assim alcançaria uma grande vitória na sua vida se alcançasse tal progresso cerebral.
Certo dia ao atravessar a estrada foi atropelado com grande ímpeto sentido nas suas pernas e nos poucos instantes que se seguiram após o atropelamento, ele caído no chão conseguiu ver com o pouco de consciência que lhe restava um esplêndido e belo futuro como se uma miragem ao mar se tratasse. Viu que em cadeira de rodas, nesse estado deficiente, era extremamente e até, de forma positiva, abusivamente bem tratado por todos. Poderia atravessar a estrada quando quisesse que os carros parariam bruscamente para ele poder passar como um rei, até podiam resmungar qualquer coisa, mas ele era respeitado! No emprego a compaixão por ele reinava e a mãe até podia estar mais frustrada pelo filho estar naquele estado mas já não era a ele que libertava as suas tensões. Enfim tudo melhorava pelo respeito e tolerância: os valores belos e caros da humanidade. E infelizmente a sua boca caída no chão daquele atropelamento já não tinha forças para exclamar vitória.
2 comentários:
Forte lição de moral :(
Ricardo Costa
Forte mesmo
Abraço amigo ;)
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